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Mulheres contra a crise

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A pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), causador da síndrome respiratória covid-19, está mudando a vida de todos. Com o distanciamento social, as dinâmicas de trabalho se alteram, as crianças deixam de ir à escola e até o ato de fazer compras está diferente. Nesse cenário, especialistas apontam que as mulheres são especialmente afetadas. Um dos motivos é a atribuição dos serviços domésticos não remunerados, ou seja, os cuidados da casa e da família, que se tornam ainda mais intensos. Para elas, em 2019 esse cuidado tomou 21 horas semanais, uma diferença de cerca de 10 horas a mais do que os homens. Agora, com a retomada econômica e com a rea­bertura gradual das cidades brasileiras, a dinâmica pode ficar ainda mais afetada, já que muitas dessas mulheres precisam retornar ao trabalho enquanto os filhos não voltarão à escola.

“Os executivos dizem sentir dificuldade em promover mulheres por atribuir a elas o cuidado da casa, e a pandemia evidencia isso”, diz Regina Madalozzo, coordenadora do núcleo de estudos de gênero do Insper. O modo cultural como o trabalho doméstico é dividido entre homens e mulheres parece impactar apenas o microuniverso familiar, mas o Fundo Monetário Internacional estima que o produto interno bruto global cresceria pelo menos 4% se o trabalho não remunerado fosse mais bem distribuído. Isso aconteceria porque elas teriam maior participação no mercado de trabalho e, consequentemente, maior movimentação econômica, gerando ganhos para todos. Assim como na divisão de tarefas domésticas, o que acontece dentro de casa passa a impactar toda a sociedade. Uma pesquisa rea­lizada pela Universidade Federal do Ceará, em parceria com o Instituto Maria da Penha, estimou que o Brasil perde 1 bilhão de reais ao ano com a violência doméstica por causa de absentismo das funcionárias e impactos na saúde. No país, essa violência cresceu 40% em abril em comparação ao registrado no mesmo mês de 2019. “O trabalho da mulher, remunerado ou em casa, é necessário para a sobrevivência de todos. E, quando o devido valor e respeito forem dados, ele poderá apresentar desenvolvimento social e monetário”, afirma Madalozzo.



Uma das evidências mais claras da força da mão de obra feminina está atrelada à pandemia do coronavírus. No setor de saúde global elas representam 70% da força de trabalho. No Brasil, as mulheres são 65% dos mais de 6 milhões de profissionais; e na enfermagem, 85%. Uma dessas mulheres na linha de frente é Lucia Santos, supervisora de enfermagem na Unidade de Tratamento Intensivo e Semi-Intensivo do Hospital São Luiz, no Morumbi, em São Paulo. Ela fez carreira no hospital, onde trabalha há 19 anos, e está atuando diretamente no enfrentamento da ­covid-19 ao gerenciar cerca de 280 enfermeiros. Desde o início da pandemia, toda a sua rotina mudou, da higiene antes de entrar em casa ao número de horas trabalhadas, que por vezes aumenta quando muitos funcionários acabam faltando por estresse, contaminação ou algum imprevisto. “A pandemia mudou nossos hábitos e trouxe uma preocupação ainda maior com o cuidado das pessoas”, diz.

Santos é também a maior provedora de renda da casa, onde vive com a mãe, um sobrinho e duas irmãs, que tiveram o salário reduzido. Ela faz parte do contingente de 45% das famílias brasileiras chefiadas por mulheres. No estado de São Paulo, cerca de 40% dos grupos familiares seguem esse modelo e, ainda assim, com rendimento 30% inferior ao de famílias chefiadas por homens. Isso acontece porque a média salarial entre homens e mulheres ainda é bastante desigual, o que afeta a permanência delas no mercado. Para ter uma ideia, os homens ganham cerca de 47,2% mais do que as mulheres com o mesmo nível de formação. “Quando as mulheres precisam trabalhar mais em casa, trabalhar mais na empresa e ainda assim ganhar menos, o risco de desistência do emprego é maior”, diz Madalozzo. Reduzir a disparidade salarial é, mais uma vez, além de uma questão social, um ganho econômico importante para o mundo pós-pandemia.

Uma pesquisa da consultoria e auditoria PwC estima que a equalização dos ganhos entre homens e mulheres nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) pode aumentar o produto interno bruto em 6 trilhões de dólares. Já o Fundo Monetário Internacional aponta que a eliminação das desigualdades de gênero no trabalho, o aumento do tempo de permanência das mulheres no emprego e a chegada a posições de liderança beneficiariam toda a população, com um aumento de 35% no PIB global. “As habilidades e os talentos das mulheres têm sido subutilizados. Os líderes precisam conhecer e erradicar as fontes de viés sistêmico dentro de suas organizações para permitir que as funcionárias cresçam e beneficiem a todos”, diz Julie Nelson, professora de economia feminista na Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos.

A desigualdade de gênero, porém, está longe de ser eliminada. Um relatório do Fórum Econômico Mundial, divulgado em dezembro, calcula que, se o ritmo atual for mantido, serão necessários 99,5 anos para que isso aconteça. Houve uma pequena melhoria em relação à pesquisa anterior, que apontou 108 anos como prazo para a equiparação completa. A pandemia, no entanto, pode frear esse avanço. “A covid-19 escancarou as desigualdades e vai nos fazer dar passos para trás caso medidas econômicas e sociais robustas não sejam tomadas por empresas e governos”, diz Luiza Nassif, pesquisadora de igualdade de gênero e economia no Levy Economics Institute of Bard College. No Brasil, a taxa de desocupação das mulheres no primeiro trimestre foi de 14,5%, ante 10,4% dos homens. O recorte também é pior para negros do que para brancos, com taxa de desocupação em 15,2% e 9,8%, respectivamente, independentemente do gênero.



A discussão entre equidade de gênero e equidade étnico-racial está intimamente ligada. Basta olhar para os números das empregadas domésticas — bastante afetadas na pandemia — e que formam grande parte da rede de apoio das famílias brasileiras. Dos 5,7 milhões de mulheres na função, 3,9 milhões são negras. “Essas mulheres são a base da economia brasileira e precisam ser puxadas para cima pelas mulheres brancas e pelos homens”, diz Luana Génot, diretora executiva do ID_BR — Instituto Identidades do Brasil. Com base nisso, Génot fundou o instituto para promover a equidade racial dentro das empresas por meio de metas e indicadores sólidos. Um desses meios é o selo Sim à Igualdade Racial, que reconhece as companhias que promovem a equidade por meio de empregabilidade, educação e engajamento. Ainda assim, é possível identificar um estágio inicial dessa discussão dentro das companhias. A pesquisa Saúde Financeira das Mulheres Negras na Pandemia da Covid-19, realizada por meio de uma parceria entre o ID_BR, a Comunidade Empodera, a organização EmpregueAfro e a Faculdade Zumbi dos Palmares, identificou que 20% delas estão alocadas em empresas nacionais, 7,8% em multinacionais e 72% são empreendedoras. “A pandemia mostra como ainda há pouca inclusão e como as empresas são importantes na promoção da mudança”, diz Génot.



A falta de oportunidades incentiva parte das mulheres a empreender, mas nem sempre por necessidade estritamente financeira. Como Luana Génot, foi empreendendo por opção e paixão que a paulistana e psicóloga de formação Maitê Lourenço se encontrou. Em 2010 ela começou uma plataforma online de gestão de carreira para ajudar as pessoas a elaborar currículos, entre outras iniciativas. Com o aumento da demanda, ela percebeu que estava, na verdade, criando uma startup, e passou a frequentar eventos de tecnologia, nos quais encontrou um ambiente predominantemente masculino e branco. Com o passar dos anos, Lourenço estruturou a ­BlackRocks, empresa sem fins lucrativos que tem como objetivo promover a ascensão de pessoas negras na tecnologia por meio de educação e aceleração.

Desde sua fundação, em 2017, foram cerca de 3.000 capacitados gratuitamente — os eventos são patrocinados por companhias como Facebook e Oracle. “Escolhi empreender porque vi a oportunidade de criar algo benéfico economicamente para as pessoas­ negras, que socialmente têm mais dificuldade de estar inseridas em determinadas áreas do mercado”, diz. Desde então, Maitê Lourenço tem sido reconhecida em premiações e palestras no Brasil e no mundo. Aos poucos, as empresas estão sendo forçadas a olhar para o impacto da equidade racial em seus negócios. O Instituto Locomotiva estima que os negros — quase 56% da população brasileira — movimentem 1,7 trilhão de reais ao ano no país. Lourenço também busca o equilíbrio de gênero entre os mentores. Em um evento online que acontecerá em julho, por exemplo, 45% dos palestrantes são mulheres.



A demografia não explica a baixa participação feminina no mercado de trabalho. Por aqui, as mulheres com mais de 14 anos — idade de jovem aprendiz — são 52,4% da população brasileira, mas representam 43,2% do mercado. A ausência delas se deve a diferentes fatores, como cultura patriarcal e falta de programas de incentivo nas empresas, especialmente nas profissões consideradas majoritariamente masculinas. No setor de tecnologia, 75% das vagas são ocupadas por homens. Ainda assim, o Brasil tem representantes da liderança feminina nessa área. Além de Lourenço, um exemplo é Cristina Palmaka, presidente da SAP desde 2013 e primeira mulher a assumir essa posição na empresa no Brasil. Segundo ela, um dos segredos de seu sucesso, além de contar com uma rede de apoio, é a ousadia de provocar e aceitar desafios, como fez ao ser promovida em 2006, no nascimento de sua filha. “Percebi que não sou o único exemplo, mas que poderia mostrar às meninas e às mulheres as possibilidades de crescimento na carreira”, diz. Sob seu comando, a SAP desenvolve ações como formação de grupos de diversidade e programas de quebra de vieses inconscientes para homens e mulheres, com o objetivo de ajudá-las a chegar ao topo.

A empresa estipulou globalmente a meta de ter 25% de mulheres em posição de gerência até 2017, o que aconteceu com seis meses de antecedência. Hoje, na subsidiária brasileira as mulheres são 35% da força de trabalho total e 25% estão na liderança.

Algumas empresas já perceberam que ter mulheres em cargos de chefia pode ser um diferencial competitivo. Uma pesquisa da consultoria McKinsey mostra que companhias com maior equidade de gênero entre os líderes tendem a ter resultado financeiro 25% maior do que as demais. Na realidade atual, porém, para cada 100 homens promovidos a cargos de gestão, 72 mulheres conseguem o mesmo reconhecimento. “A liderança tem papel importante na valorização das mulheres, e também as próprias mulheres precisam incitar ações afirmativas”, diz Sofia Esteves, presidente do Grupo Cia de Talentos. É por isso que elas, quando chegam a cargos de direção, costumam ajudar as outras. Rachel Maia, presidente da Lacoste no Brasil, formou dois grupos de executivas para fomentar a troca de ideias e melhorias nos negócios. Para ela, é essencial ter uma rede com a participação de homens e mulheres que impulsione a força de trabalho feminina. “Quando as mulheres apoiam umas às outras, as oportunidades crescem, e os homens também precisam participar da conversa”, diz. Outra dica da executiva é sempre se oferecer para o trabalho.

Mulheres se candidatam a 20% menos vagas de emprego do que os homens por não se acharem preparadas. “A mulher tem de ser a precursora de sua própria história e, com resiliência, deixar uma forte marca no espaço que definiu estar”, afirma Maia. Impulsionar as mulheres na economia é também papel das empresas da porta para fora. É por isso que na fabricante de eletroeletrônicos Whirlpool, presidida por Andrea Salgueiro, existe o programa Consulado da Mulher, encabeçado pela marca Consul. Em 18 anos de programa, 1.138 empreendimentos do setor gastronômico chefiados por mulheres foram assessorados. Como resultado, 35.378 pessoas acabaram sendo beneficiadas. Apenas em 2019, o aumento de renda das participantes foi de 42%. “É preciso trabalhar ativamente com a diversidade para promover a mudança e ver os resultados”, diz Salgueiro. Para a executiva, a equidade de gênero é um projeto pessoal­ que decidiu encampar há cerca de 12 anos, antes mesmo de assumir o cargo atual em agosto do ano passado. Ao longo da carreira ela estima ter prestado mentoria a cerca de 60 mulheres globalmente.

Alguns países consideram estrategicamente a força de trabalho feminina. Na Argentina, a diretora nacional de economia, igualdade e gênero Mercedes D'Alessandro acredita que as mulheres precisem ser mais bem remuneradas, especialmente nas posições de cuidados. No estado do Havaí, nos Estados Unidos, há um documento do governo que orienta a reconstrução da economia a partir de uma visão feminista, com orientações de maior participação delas em diferentes setores de trabalho e também com a iniciativa de acolhimento a mulheres e ­LGBTI+. Na Nova Zelândia, a primeira-ministra Jacinda Ardern serviu de exemplo sobre como erradicar a pandemia. Além de achatar a curva ao impor medidas duras de isolamento, ela cuidou da população ao incentivar, por exemplo, as pessoas a exibir desenhos de ovos de Páscoa nas janelas para a festividade. “Ao redor do mundo, há diversos exemplos de como as mulheres são afetadas negativamente na pandemia e de como outras estão tentando reverter isso. É preciso ter mais homens dividindo tarefas domésticas e mais mulheres bem remuneradas em cargos de liderança”, diz Julie Nelson, professora de economia na UMass.

Na linha de frente em casa e no trabalho

Supervisora de enfermagem e chefe de família, Lucia Santos combate a covid-19


“Estou há cinco anos neste cargo de chefia, mas agora, mais do que nunca, penso na saúde física e mental de todos ao redor. Me sinto gestora 24 horas”

Lucia Santos é supervisora de enfermagem na Unidade de Tratamento Intensivo e Semi-Intensivo do Hospital São Luiz, no Morumbi, em São Paulo. Ela construiu sua carreira no hospital, onde trabalha há 19 anos, mas nunca imaginou que viveria algo parecido com o momento atual. O trabalho inclui cuidar dos 280 enfermeiros de sua área, dos pacientes e de suas famílias, que agora não podem estar tão próximas. Até o fim de maio ela havia atendido cerca de 800 pessoas contaminadas pelo novo coronavírus. “Cheguei a tirar foto de paciente que faleceu porque a mãe não poderia vê-lo pessoalmente”, diz. Santos tem uma rede de apoio formada por mulheres e, quando está em casa, também exerce de alguma forma a função do cuidado. Sua renda é a maior da família, composta pela mãe, duas irmãs e um sobrinho. Ela é chefe de seu trabalho e também de seu lar, fazendo o que especialistas chamam de economia do cuidado, quando, além de exercer funções remuneradas, a pessoa tem trabalhos “invisíveis” atribuídos. Santos também faz parte de duas importantes estatísticas nacionais: a de 45% das famílias chefiadas por mulheres e a de 85% da enfermagem composta da força de trabalho feminina. “Estou há cinco anos neste cargo de chefia, e agora, mais do que nunca, penso na saúde física e mental de todos ao redor”, diz. Assim como outros profissionais de saúde, foi contaminada pela covid-19 apesar de todos os equipamentos de proteção e dos cuidados tomados, e precisou se afastar do trabalho em maio. Segundo Santos, o hospital tem dado toda a assistência necessária aos funcionários que relatam qualquer indisposição. Uma sensação de luta que, para ela, precisa ser entendida por todos para essa batalha logo ser vencida.

Igualdade de gênero e de raça

Luana Génot, fundadora do Instituto Identidades do Brasil, quer equidade total


“Minha intenção é pautar o mercado de trabalho para falar de raça e gênero juntos, como deve ser”

Já na graduação em publicidade, Luana Génot começou a pesquisar sobre a história das mulheres negras. Também nessa época ela teve a oportunidade de estudar em Wisconsin, nos Estados Unidos, onde foi voluntária na campanha de reeleição de Barack Obama. De volta ao Brasil, trabalhou em agência de publicidade e na multinacional de cosméticos L'Oréal, mas manteve a inquietação sobre o tema da equidade étnico-racial. O resultado foi a fundação do ID_BR — Instituto Identidades do Brasil, há quatro anos. “Minha intenção é pautar o mercado de trabalho para falar e trabalhar com a ascensão de raça e gênero juntos, como deve ser”, diz Génot. Uma iniciativa do instituto foi a criação do selo Sim à Igualdade Racial, concedido a empresas que de fato estruturam políticas para contratação e inclusão de negros em diferentes níveis hierárquicos. “A questão, que já é complexa, ganhou nova cara na epidemia”, afirma. Quando se olha especificamente para mulheres negras, uma pesquisa conduzida pelo ­ID_BR,­ em parceria com outras instituições, revela que 72% delas são empreendedoras — e muitas vezes por falta de opção no mercado de trabalho. Nesse cenário, muitas delas têm renda para poucos meses e podem precisar se expor ao novo coronavírus. “Acredito que o mundo pós-coronavírus mostrará quem está fazendo a inclusão de forma séria”, diz. Outro desafio na questão de gênero no Brasil, segundo ela, são as diferentes realidades das mulheres. Somente com a inclusão efetiva, afirma, os cenários vão melhorar. Para ela, da mesma forma que homens precisam perceber a importância de promover mulheres, as mulheres em cargos de liderança têm de entender a necessidade de apoiar mulheres negras. “Esse é um tema que, assim como a covid-19, precisa ser tratado exaustivamente na sociedade, no governo e nas empresas para que as pessoas tomem conhecimento do assunto e ajudem a promover mudanças”, diz. Com os crescentes protestos pela luta antirracista no mundo inteiro, o ID_BR, em parceria com o Sistema B, promoveu o manifesto Seja Antirracista para que pessoas e instituições possam publicamente assumir compromissos pela igualdade racial.

Empreender por opção

Maitê Lourenço formou a BlackRocks para fomentar o empreendedorismo negro


“Com base em minha experiência, sei que é preciso gerar oportunidade para pessoas negras e quero fazer parte disso ativamente”

A paulistana e psicóloga de formação Maitê Lourenço começou em 2010 uma plataforma online de gestão de carreira que ajudava as pessoas a elaborar currículos e a participar de entrevistas de emprego. Com a evolução da demanda do negócio ela começou a frequentar eventos de startups e empreendedorismo, nos quais encontrou um ambiente predominantemente branco e masculino. Em 2015 começou a mudar de estratégia e a trabalhar numa ideia que, dois anos depois, resultou na BlackRocks, uma startup que desenvolve empreendedores negros e acelera negócios iniciados por eles por meio de parcerias com grandes empresas. Desde sua fundação, a BlackRocks já capacitou 3.000 pessoas, patrocinadas por empresas como Google, Facebook e Oracle. “Fui bolsista numa universidade em que o curso não era integral porque eu precisava trabalhar. Com base em minha experiência, sei que é preciso gerar oportunidade para pessoas negras e quero fazer parte disso ativamente”, diz. Com o tempo, ela conseguiu parar de fazer atendimentos psicológicos e passou a se dedicar exclusivamente ao empreendedorismo, pelo qual foi reconhecida em premiações e palestras no Brasil e no mundo, galgando espaços como programas de imersão no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Um dos exemplos das startups mentoradas pela BlackRocks é a Inova QA, especializada em testes e qualidade de software. “O setor de tecnologia tem alta demanda por profissionais capacitados e o público-alvo da BlackRocks pode ajudar a suprir isso”, afirma Lourenço. Nos planos da empresa está o lançamento de um edital para acelerar dezenas de startups de uma só vez com o apoio também de grandes companhias. Para ela, a pandemia do novo coronavírus e os recentes protestos em favor da equidade racial mostram como é importante que as instituições olhem de forma estruturada para a ascensão de pessoas negras. O mesmo é válido intrinsecamente para a equidade de gênero, questão que norteia também a busca de mentores da BlackRocks, hoje um time de cerca de 100 pessoas.

Liderar pelo exemplo

Cristina Palmaka, presidente da SAP, se vê como um agente de transformação


“Tive ajuda para equilibrar família e trabalho e percebi que era possível liderar pelo exemplo para incentivar as mulheres"

Quando começou a trabalhar, aos 16 anos, Cristina Palmaka via a equidade de gênero como algo natural dentro de casa, na convivência com os dois irmãos homens. Ao longo da carreira, porém, ela foi percebendo a importância de tratar do tema com seus mentores e também com as equipes que passou a liderar. Há mais de uma década a hoje presidente da SAP faz parte de grupos de diversidade de gênero e de outros temas dentro e fora da empresa. “Fui promovida quando minha filha nasceu e tive ajuda para equilibrar família e trabalho. Percebi que era possível liderar pelo exemplo para incentivar as mulheres a chegar ao topo”, diz. Ao longo dessa jornada, Palmaka percebeu também que os homens precisam fazer parte da discussão, pois muitas vezes são eles os gestores que diretamente vão promover ou não essas mulheres. A SAP oferece e incentiva, por exemplo, que eles tirem um período de 30 dias de licença-paternidade para poder participar ativamente da família. “No início os homens tinham receio de se afastarem do trabalho, mas foi importante para eles entender como as mulheres se sentem e para aprender a dividir as tarefas”, afirma Palmaka. Para ela, aos poucos a equidade de gênero avança e as mulheres ocupam cargos de liderança, diferentemente de muitas ocasiões em que ela se viu como a única executiva numa sala de reunião. Para Palmaka, é papel das empresas fomentar a promoção das vagas para mulheres, bem como sua autoestima, para que possam se candidatar a uma posição, ainda que não se sintam totalmente preparadas. “As mulheres se candidatam menos do que os homens por não enxergarem em si mesmas as competências exigidas. E isso precisa mudar para que mais mulheres ocupem cargos de liderança”, diz. A executiva acredita ser papel da empresa oferecer mentoria a pessoas com potencial de promoção. Segundo ela, a pandemia evidencia a necessidade de ter uma empresa diversa em gênero e em valores pessoais normalmente atribuídos ao gênero feminino, como empatia e cuidado. A SAP tem aprofundado cada vez mais as pautas de saúde mental, especialmente nos grupos de diversidade, com o objetivo de acabar com esses estigmas.

Não se faz nada só

Para Rachel Maia, CEO da Lacoste, redes de apoio e de contatos são fundamentais


“Temos de ser melhores naquilo a que nos propomos fazer. Sou otimista, acredito que é possível executar o que se planeja”

Entre os motivos para Rachel Maia ter chegado ao cargo que ocupa hoje, como presidente da Lacoste, estão a competência e a determinação. No ensino médio, ela teve de trabalhar para pagar a escola; apesar de caçula, foi a primeira de uma família de sete filhos a estudar fora; e poucas semanas depois da primeira e inesperada gravidez já estava de volta ao trabalho para assumir então a presidência da marca de joias de luxo Tiffany, no mesmo período em que amamentava a filha. “Penso que temos de ser as melhores naquilo que definimos ser e, como uma otimista por natureza, acredito que seja possível executar o que se planeja”, diz. Como parte da busca por maior presença feminina no mercado de trabalho, ela acredita na importância de que cada mulher assuma o controle de sua carreira. Para ela, o trabalho pessoal é responsável por metade do fator para o sucesso. A outra metade está na criação de uma importante rede de contatos — entre seus mentores estão Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, e Pedro Passos, da Natura. Outra dica para o crescimento profissional é fazer além do que é esperado. “Não é possível apenas esperar por uma promoção. É preciso instigar a dúvida no gestor e realizar um trabalho de excelência que o surpreenda”, afirma. Para isso, Maia entende que as mulheres necessitam de redes de apoio, como a família e outros profissionais. Ela criou e participa de dois grupos para discutir problemas e buscar soluções para os negócios, inclusive com presidentes de outras empresas. A concorrência, aqui, fica de lado. “Quando as mulheres se apoiam e chamam os homens para a conversa, as oportunidades crescem”, afirma. Maia também acredita que é preciso ter resiliência para conquistar novos postos, mesmo quando as coisas parecem sair do lugar. “Todo mundo vê o sucesso da Rachel, mas ninguém olha quantas vezes eu precisei me sacudir e continuar depois de escutar nãos. Entendi, porém, que posso inspirar as mulheres e incentivá-las a sempre tentar de novo”, afirma a executiva.

Elas crescem juntas

Equidade de gênero dentro e fora da empresa — e também em casa


“Em certa idade as mulheres começam a abandonar a carreira. É papel dos executivos mostrar novos caminhos para elas”

Em 2008, quando teve a oportunidade de fazer um treinamento em Washington, nos Estados Unidos, Andrea Salgueiro entendeu que sua carreira estava nas próprias mãos e não havia espaço para autossabotagem. Naquele momento, na fabricante de bens de consumo Unilever, a executiva começou a se envolver nos processos de inclusão e diversidade da companhia, além de promoção de ações com organizações que visam à equidade de gênero, como a ONU Mulheres e o Movimento Mulher 360. De lá para cá, ela já foi mentora de 60 mulheres de diferentes países. Sua intenção é mudar cenários semelhantes aos que já experienciou quando, por exemplo, foi a única mulher em cargos de liderança ou em ocasiões em que teve de responder a perguntas enviesadas por ser mulher. “Pesquisas apontam que em determinada idade as mulheres começam a abandonar a carreira por acreditarem que não darão conta de seguir com os cuidados da família e o trabalho. É papel dos executivos mostrar novos caminhos para elas, ainda mais agora na pandemia, com parte dos funcionários em home office”, afirma. Salgueiro tem em casa duas filhas, de 17 e 21 anos, que servem de inspiração para ela na luta pela equidade. “Elas não permitem discriminação e são muito influenciadas por mim, mas percebo também que elas recebem cada vez mais informação da sociedade como um todo”, diz. Na Whirlpool, onde ocupa o cargo de presidente desde agosto do ano passado, a meta é ter 50% de mulheres no total de funcionários — hoje são 43% no quadro geral e 50% na liderança executiva. As boas práticas para ajudar as mulheres, e consequentemente impulsionar a economia, também estão presentes em projetos sociais. Um exemplo é o Consulado da Mulher, da marca Consul, que dá apoio financeiro e educacional a empreendedoras do setor de gastronomia há 18 anos. Apenas em 2019, a geração de renda das participantes teve um crescimento estimado de 42%. Ao prestar auxílio a essas empreendedoras, outras pessoas ao redor são beneficiadas com geração de emprego. O projeto já chegou a 169 cidades, impactando mais de 35.000 pessoas. “Os valores da liderança têm de fazer sentido dentro e fora da companhia”, afirma Salgueiro.