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O novo sonho grande da Ambev

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Por Marina Filippe e Karin Salomão

Foi-se o tempo em que ser dona da Brahma, da Skol e da Antarctica e levar a eficiência a novos patamares ano após ano bastava para garantir à Ambev a liderança absoluta do mercado de bebidas. Em um mundo de carros elétricos e hambúrgueres de plantas, valer-se de uma receita de sucesso não é mais suficiente. No caso da Ambev, significa colocar em risco a dominância no mercado de cervejas, setor que vai faturar cerca de 578 bilhões de dólares no mundo neste ano.

A concorrência vem se multiplicando em todos os nichos e sendo mais ágil em responder a novos hábitos de consumo. Até varejistas online já passaram a ser uma ameaça. Assim, a multinacional que surgiu da fusão entre as arquirrivais Antarctica e Brahma em 1999 e durante décadas foi modelo de sucesso para as empresas brasileiras mais ambiciosas agora se tornou o grande exemplo de negócio que precisa se reinventar.

A urgência de uma guinada tem aparecido nos números. A margem de lucro da Ambev encolheu de 61,6%, em 2018, para 52,4%, no terceiro trimestre de 2020. A AB InBev, que controla a Ambev e as unidades europeia e americana, vale hoje cerca de 110 bilhões de euros na bolsa, 45% menos que há cinco anos. Desde o pico em março de 2018, a Ambev perdeu 39% do valor, que agora está em cerca de 230 bilhões de reais.

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Enquanto isso, a participação de mercado da Heineken, sua mais ruidosa concorrente no Brasil, passou de 10,3% para 19,6% em volume entre 2014 e 2017. O verão que deve marcar o começo do fim da covid-19 — uma crise que chacoalhou o mercado das cervejas — deve dar uma grande mostra de para onde vai o setor e seus principais atores.

A transformação na Ambev é radical. O senso de dono que a Ambev popularizou no Brasil, com funcionários sócios do negócio, segue firme e forte. Mas se une a uma cultura mais permissiva a erros e a uma atitude mais colaborativa. Aprender mais com os outros virou a palavra de ordem para os 30.000 colaboradores. A mudança está sendo acelerada neste ano, que começou com a substituição de Bernardo Pinto Paiva por Jean Jereissati na presidência.

“A Ambev tem uma história bem-sucedida de crescimento nos últimos 20 anos, mas agora estamos olhando para os próximos 20. O caminho será com inovação, tecnologia e uma mudança sísmica”, disse Jereissati em entrevista exclusiva à EXAME. “Meu propósito é manter a espinha dorsal da companhia, ouvindo mais e atendendo o que o consumidor está pedindo.” Jereissati trabalha na Ambev há 22 anos. Voltou para o Brasil em janeiro de 2019 após seis anos fora, com passagens pela República Dominicana e pela China.


Jean Jereissati, presidente da Ambev: desde janeiro de 2020, cercado por funcionários da companhia em São Paulo[/caption]

A Ambev construiu a base da cervejaria mais lucrativa do mundo comprando concorrentes. Primeiro no Brasil, depois nos vizinhos, e finalmente na Europa e nos Estados Unidos, quando se tornou a AB InBev e o nome Ambev passou a designar apenas a filial latino-americana. A cada aquisição, focava em corte de custos, na busca de eficiências na cadeia produtiva e logística e, por meio da venda em escala de cervejas massificadas, entregava margens aos acionistas que chegaram a 66,5% em 2010.

Esse modelo foi desenhado pelos três cofundadores da Ambev, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, donos do fundo de investimento 3G Capital. Em meados de 2010, a empresa dominava mais de dois terços do mercado brasileiro, e assim conseguia negociar preços mais vantajosos com fornecedores, distribuidores e consumidores. Por dez anos até 2015, o aumento do preço médio das cervejas da Ambev foi de 168%, 1,5 ponto acima da inflação por ano, diz um relatório feito pelo banco de investimento BTG Pactual.

Na bolsa brasileira B3, a cervejaria fez grande sucesso no período: seu valor de mercado se multiplicou por 4. Em paralelo, porém, uma mudança se desenhava na preferência dos consumidores e na forma como grandes marcas se relacionam com seus públicos — fornecedores, clientes, funcionários. As redes sociais impulsionaram os nichos, criaram comunidades e amplificaram a cobrança. Era preciso ser cada vez mais inovador, reforçar o storytelling e, além de tudo, testar constantemente novos canais de vendas e de contato.

Ou seja: o fosso que a Ambev havia construído em torno de seu castelo desapareceu. As maiores empresas do mundo, não por acaso, deixaram de ser as grandes fabricantes de bens de consumo e passaram a ser as que empoderavam as multidões (pelo menos na teoria).

O mercado começou a questionar com mais força esse modelo de criação de grandes empresas de consumo com foco em marcas fortes, o princípio do fundo 3G Capital, na fusão das indústrias de alimentos Kraft Foods e Heinz, ocorrida em 2015. Dois anos depois da fusão, a Kraft Heinz fez uma proposta para incorporar a Unilever e se tornar ainda maior, o que acabou sendo recusado. Agora, uma reportagem do jornal Financial Times revelou que a empresa está negociando mais tempo com seus investidores para encontrar um novo peixão — se é que ele existe.

Na AB InBev, uma nova grande tacada parece fora de questão após a lenta digestão da SABMiller, comprada em 2015 e que levou a um aumento da dívida de 42,2 bilhões para 107,9 bilhões de dólares.

As mudanças do mundo e os novos dilemas da Ambev foram reconhecidos por seus controladores. Em um evento na Califórnia em 2018, Lemann disse que se sentia um “dinossauro apavorado” diante das mudanças rápidas no cenário de consumo. Em uma live transmitida durante a pandemia, Lemann voltou ao tema ao responder sobre seu novo “sonho grande”. Afirmou que seu grande sonho era reformar o sonho grande do passado — ou seja, mostrar que a Ambev seguia relevante neste novo mundo.

“Nos últimos anos, ocasiões de consumo mudaram, canais de distribuição mudaram e o cenário competitivo mudou, desafiando o centro da criação de valor da Ambev: a capacidade de forçar um preço sem perder espaço para a concorrência”, diz um relatório do banco de investimento BTG Pactual.

Para acertar, fazer-se presente em diferentes ocasiões de consumo e manter-se no topo, foi preciso admitir que a gestão Ambev não é perfeita, e que não é mais possível crescer sozinho. A partir disso, a empresa começou a se abrir. Atual­mente 13.000 startups fazem parte do ecossistema Ambev. A estrutura tecnológica e a preparação dos últimos anos foram essenciais na pandemia. O aplicativo de entregas Zé Delivery, por exemplo, foi baixado 3,3 milhões de vezes em 2020, ante 1,47 milhão durante todo o ano passado, segundo dados do J.P. Morgan.

Hoje são mais de 2.000 pequenos varejos parceiros cadastrados na plataforma que entregam diretamente na casa do cliente. Outras operações digitais, como o e-commerce Empório da Cerveja e o programa de assinaturas Sempre em Casa, dão à companhia não só agilidade nas entregas mas também permitem acesso a dados antes exclusivos dos varejistas, como frequência de compra e preferência de consumo do cliente, que passa a estar diretamente conectado à Ambev.

“O concorrente da Ambev não é só a Heineken, mas sim as empresas de tecnologia conseguem conhecer melhor o cliente e escolher quais produtos priorizar”, disse um ex-executivo da companhia. O Grupo Petrópolis, fabricante da Itaipava, também está de olho nessa tendência. Lançou o e-commerce Bom de Beer, que neste ano passou a ter parceria com marketplaces de grandes varejistas, como Magalu e Amazon. “Ajuda a manter contato com o consumidor final e também da equipe de vendas com seus clientes”, afirma Marcelo de Sá, diretor de controladoria do Grupo Petrópolis.

A posição confortável na liderança da Ambev começou a ser ameaçada há cerca de dez anos, com a chegada da rival holandesa Heineken, que comprou a divisão de cervejas da Fomento Econômico Mexicano (Femsa Cerveza) por 7,7 bilhões de dólares. A Femsa, que no Brasil era dona de marcas como Kaiser e Bavária, é hoje a segunda maior acionista da empresa. Em 2017 comprou a Brasil Kirin da japonesa Kirin, por 664 milhões de euros, e chegou a uma participação de mercado de quase 20% ao trazer as marcas Schin, Baden Baden e Eisenbahn para seu portfólio.

A holandesa segue mostrando grande apetite para continuar crescendo no mercado que se tornou o seu maior no mundo. Em outubro do ano passado, anunciou um investimento de 985 milhões de reais, o maior já feito no país, para dobrar a capacidade de produção nas fábricas paulistas de Araraquara, Itu e Jacareí; Alagoinhas, na Bahia; e Ponta Grossa, no Paraná. “A estratégia da Heineken hoje é expandir a distribuição à medida que aumenta a produção”, diz Cristina Souza, presidente de foodservice da consultoria Gouvea.

A principal estratégia da Heineken é transformar-se em sinônimo de categoria. Ainda que existam diversas marcas no Brasil, seu principal esforço está na marca premium que leva o nome do grupo, frequentemente chamada de “Heineken verde”. Para isso, aposta em um marketing que valoriza a qualidade de suas cervejas. No lugar de focar ocasiões de consumo, como praia e futebol, as propagandas são voltadas para a qualidade da cerveja.

“A Heineken tinha uma barreira de entrada, que era o amargor. Mas foram muito inteligentes ao posicionar a marca como premium, de qualidade. Agora é chique tomar Heineken”, diz Ronaldo Morado, empresário e ex-presidente da Colorado de 2013 a 2014 e autor do livro Larousse da Cerveja. No final do ano passado, o Brasil se tornou o maior mercado global para a Heineken.


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Apesar de seu crescimento no país, a Heineken ainda não alcançou a Ambev no que diz respeito a uma de suas maiores fortalezas no país: sua capacidade logística de distribuição. A cervejaria “veste” bares por todo o país, com a entrega de geladeiras, cadeiras e mesas de plástico amarelas da Skol e até letreiros. Com isso, consegue uma fidelização dos bares valiosa e difícil de ser quebrada. Nem sempre essa relação foi tão amigável.

Há dez anos, o posicionamento da cervejaria líder do mercado era visto como arrogante pelo setor. “A Ambev tinha um comportamento de líder inflexível, era uma relação de arrogância e imposição”, diz Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

Por isso, quando a Heineken decidiu apostar no mercado brasileiro, o setor viu a movimentação com bons olhos. “A chegada da Heineken foi bem recebida pelo mercado, havia um sentimento melhor em relação a ela”, diz Solmucci. Mesmo depois de dez anos no país, a Heineken ainda não chega a todos os bares — e deixa de atender principalmente a periferia. O avanço da Heineken por aqui só foi possível porque os hábitos dos consumidores brasileiros já estavam em transformação. Nos últimos dez anos, novas marcas de cerveja chegaram ao Brasil, centenas de microcervejarias começaram a operar e o consumidor começou a experimentar outros sabores.

“As gerações mais jovens, que acabaram de entrar no mercado de cerveja, já são mais globalizadas e buscam cervejarias diferentes”, diz Cristina Souza, presidente de foodservice da consultoria Gouvea de Souza. A mudança de paladar também forçou uma transformação nas ocasiões de consumo. Dos bares, pessoas passaram a beber em casa. Se há poucos anos o consumo nos bares era responsável por 70% das vendas e os supermercados por 30%, essa proporção está mais próxima do equilíbrio. A proibição do fumo nos restaurantes, a Lei Seca que inibe o consumo de bebida alcoólica fora de casa e o surgimento de mais opções de entretenimento em casa, com filmes e streaming, trouxeram a cerveja para dentro de casa. A pandemia reforçou essa mudança de comportamento. Com bares fechados, as vendas em supermercados cresceram ainda mais.

De acordo com a Heineken, essa migração fortalece suas cervejas mais premium. “A categoria de cervejas sofreu e está sofrendo, mas os momentos de descontração dos bares foram para dentro de casa”, disse o presidente da Heineken, Mauricio Giamellaro, em entrevista à EXAME Talks em setembro.

A cerveja consumida em casa, porém, não é a mesma do consumo fora do lar. Segundo o executivo, as pessoas estão escolhendo cervejas de valor e qualidade maiores neste momento. Daqui para a frente, o segmento premium deve continuar crescendo, já que as classes mais altas não sofreram tanto com a crise do coronavírus. Já o mercado de cerveja como um todo deve depender do ritmo de recuperação econômica, segundo Rodrigo Mattos,­ analista de bebidas da empresa de pesquisas Euromonitor.

“O consumo de cerveja está ligado a desemprego, inflação e renda da população, e essa recuperação pode ser impactada por uma segunda onda”, diz.


Bar em São Paulo: a pandemia de covid-19 fechou os estabelecimentos e mudou os hábitos de consumo de bebidas no Brasil e no mundo[/caption]

Quando assumiu, Jereissati não poderia prever uma pandemia como a de covid-19, mas sabia que não deveria repetir os resultados dos últimos anos. Se antes o sonho grande da Ambev era desbravar muitos países em ritmo acelerado, os resultados acenderam um alerta. Para mudar a forma de pensar e agir era preciso, antes de mais nada, conseguir atrair gente nova. Pensando nisso, o programa de trainee deixou de focar apenas um número limitado de universidades e eliminou o teste de inglês.

Resultado: a média de inscritos passou de 38.000, entre 2016 e 2019, para 120.000, em 2020. Outra iniciativa relevante é o programa de estágio Representa, exclusivo para jovens negros, que começou em 2019 com dez vagas e neste ano abriu mais 80, para as quais 25.000 jovens se inscreveram. “A diversidade na empresa é uma forma de pensar em produtos e serviços para públicos diversos e, mais do que isso, questionar a antes tão aclamada meritocracia.

Antes, o trainee começava como vendedor em bares, agora ele vai para nossa agência interna escutar o que falam de nossos produtos. Uma mudança completa acontece, da seleção ao trabalho dos jovens”, afirma Jereissati.

A enorme mudança na gestão e nas pessoas, que inclui a esperada saída no início de 2021 de Carlos Brito da presidência da AB InBev após 16 anos, tem como objetivo mudar o desenvolvimento dos produtos. “Até agora, a Ambev era exportadora de talentos para a AB Inbev. Agora é importante trazer o conhecimento de gente de fora”, diz um analista do mercado. O consumidor agora quer diferentes bebidas em cada ocasião de consumo.

Esse consumidor também não tem receio de exigir ou mudar. Na Ambev, as cervejas passaram a ser criadas em um intervalo de tempo cada vez mais curto. Para isso, um passo importante foi a inauguração, em agosto de 2018, do Centro de Inovação e Tecnologia Cervejeira, localizado no Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um espaço de mais de 15.000 metros quadrados, onde foram investidos 180 milhões de reais.

No espaço é possível fazer pelo menos oito inovações em bebidas a cada mês. “A Brahma Duplo Malte talvez tenha sido nosso produto que mais seguiu essa nova cartilha, que me remete às memórias das melhores experiências que já tive, me fazendo sonhar em poder botar um chapéu de novo e seguir para Barretos”, disse Jereissati em um e-mail enviado aos funcionários em julho. A concorrência não está dormindo no ponto.

O grupo Petrópolis, que fabrica a marca Itaipava e ocupa a terceira posição com 13% do mercado, também passou a apostar na cerveja puro malte. A marca Petra já corresponde a 15% do faturamento após dois anos de lançamento e é a segunda mais vendida da fabricante — atrás apenas da Itaipava, que domina as vendas e corresponde a 60%.



A Duplo Malte pode ainda remeter ao sonho grande, mas está claro para a companhia que nem sempre essa será a melhor estratégia. “Percebemos que também precisamos lançar o pequeno, e a Stella sem glúten é um exemplo. As cervejas regionais, como a recém-lançada Berrió, de caju e inspirada no Piauí, são outro exemplo”, afirma Jereissati. Essa ideia de fazer pequeno vem, porém, de pelo menos cinco anos.

Em 2015, a companhia comprou a paulista Colorado e a mineira Wäls, mantendo seus donos na chefia da operação para aprender como fazer cervejas artesanais. “A quantidade de cervejarias artesanais tem crescido cerca de 30% ao ano, mas o volume produzido ainda é pequeno perto dos gigantes. Mas elas cumprem um papel importante ao acessar os consumidores locais e desenvolver novos paladares”, diz Chiara Rego Barros, consultora para microcervejarias e sócia proprietária do Instituto Ceres de Educação e Consultoria Cervejeira.



Para atingir todo mundo, a Ambev lançou 22 novos produtos em 2018, 56 em 2019 e 58 até outubro deste ano. “Na inovação, se a cada dez rótulos lançados, três ou quatro forem um sucesso, você está de parabéns”, diz Jereissati. Aumentar a quantidade dos lançamentos também permite à Ambev olhar para o público que não está tão interessado em cerveja.

Só da Skol Beats — que tem como diretora de criatividade e inovação desde 2019 a cantora pop Anitta — há a GT, 150 BPM e outras quatro linhas, sendo a última delas lançada em outubro com quatro sabores em 12 latas diferentes — uma para cada signo do zodíaco. As mudanças na empresa mais copiada do Brasil passam até pela astrologia. Mal não há de fazer.

DE OLHO NO FUTURO

A fabricante de bebidas Ambev faz um esforço para manter os acertos do passado e criar uma estratégia que permita o sucesso e a liderança no futuro ao acompanhar as tendências de consumo de um público cada vez mais diverso e exigente. Para Jean Jereissati, presidente da Ambev, a chave do sucesso estará na colaboração, na tecnologia e na inovação | Marina Filippe


Jean Jereissati, presidente da Ambev: "Não precisamos fazer tudo em proporções gigantes, mas é preciso inovar rápido e entender o que realmente funciona"[/caption]

Para onde a Ambev pretende crescer?

Tivemos uma história marcada pela intensa gestão e crescimento, com muitos países conquistados e aquisições realizadas nos últimos 20 anos. Agora estamos pensando no crescimento orgânico dos próximos 20 anos ao entender que inovação e tecnologia são essenciais na conquista dos consumidores.

Como essas inovações estão acontecendo?

Estamos mais ativos na escuta dos consumidores. Há cerca de 170 pessoas apenas monitorando os comentários sobre nós, criando conteúdo e agindo rapidamente. Investimos para lançar mais produtos, estar em mais ocasiões de consumo e já percebemos os resultados. Em 2019, 10% do faturamento veio de novos produtos e neste ano queremos chegar a 15%. Para isso é preciso inovar rapidamente e entender o que realmente funciona.

O que o consumidor quer?

O consumidor nos dá muitos retornos. Percebemos, por exemplo, que na cerveja há uma tendência pela busca de um líquido mais cremoso e amargo, o que incentivou, por exemplo, a criação da Brahma Duplo Malte ou mesmo a chegada da Beck’s ao Brasil. Há uma variação de paladares no grupo consumidor de cervejas, mas todos gostam mais ou menos de amargor.

Por outro lado, tem gente que gosta de doce e novos líquidos nos ajudam a atender a essa demanda. A nova geração vem aberta a experimentar tudo isso, e aí investimos, por exemplo, nas opções de Skol Beats e GT. Sabemos que vamos ter também outros problemas para resolver, como a questão das calorias e do glúten. Entendemos que não precisamos fazer tudo em proporções gigantes e algumas coisas devem ser focadas em estratégias locais ou para pequenos grupos.

Como é possível ser mais ágil para atender às diferentes demandas?

Trabalhamos em diferentes frentes, um exemplo é o CIT [Centro de Inovação e Tecnologia], que está dentro da Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi inaugurado em 2018 a partir de um investimento de 180 milhões de reais. Lá, é o espaço para testar, cozinhar, misturar ingredientes em panelas menores, jogar fora e fazer de novo conforme for preciso.

Há também outras frentes, como a Z-Tech, hub de inovação que trabalha para pensar em soluções, resultando, por exemplo, na compra da Menu, uma startup que tem o propósito de aproximar a indústria do varejo por meio de marketplace. Esse é um caso interessante porque estamos aprendendo com quem tem outras habilidades. Uma vez por mês me reúno com Leonardo Almeida, da Menu, para pensar em soluções, ele é um empreendedor nato e nunca seria nosso funcionário.

Este momento também é oportuno para a revisão do quadro executivo?

A Ambev sempre teve uma forte crença em meritocracia e na promoção de pessoas da casa, mas percebemos alguns caminhos para a mudança de cultura. Primeiro porque parte dos executivos que tem a experiência com crescimento em outros países volta ao Brasil. Também identificamos áreas em que a gente não tinha formação e começamos a contratar executivos de outras empresas, como em tecnologia.

Estamos em via de nos abrir para os talentos de fora, assim como para trabalhar com mais colaboração, como com as cerca de 13.000 startups que hoje fazem parte do nosso ecossistema. Essas atitudes também nos fazem atrair mais jovens interessados na companhia.

De qual modo?

A gente se sente num momento ótimo de atração de talentos e da nova geração, prova disso é que nunca antes recebemos tantos candidatos, chegando a 120.000 inscritos no último trainee. Também focamos a diversidade, flexibilizamos a necessidade do inglês e derrubamos barreiras, o que nos permite atrair mais gente boa. Estamos animados com a turma nova e também com outras ações, como o estágio focado em jovens negros que saiu de dez pessoas na primeira edição para 80 na segunda. Toda a mudança de cultura e pessoas consequentemente ajuda nesses resultados de inovação.

A pandemia afetou os resultados de toda a indústria, e a Ambev mostrou uma retomada em V no último trimestre. O que é esperado para os próximos meses?

É um cenário incerto. Não sabemos por quanto tempo o auxílio emergencial continuará, como o Brasil vai lidar com toda a economia e a pandemia está muito fluida. Aprendemos que temos de ser flexíveis para lidar com as incertezas e trabalhar com o que conseguimos controlar. Nosso foco é no cuidado com as pessoas e na visão clara da nova matriz de crescimento, que indica que temos de fazer junto, acertar, errar, ter uma evolução que toma tempo, e seguirmos firmes na jornada.