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Por que a diversidade faz a diferença

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No dia 9 de maio, um sábado, o Brasil contabilizava 10.627 mortos e 155.993 infectados pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), causador da síndrome respiratória covid-19. Na empresa de medicina diagnóstica Sabin, os profissionais viviam mais um daqueles dias incomuns (que se tornaram comuns), tomados por incertezas e pressões. Desde o início da pandemia no país, o laboratório desenvolve protocolos e testes para detectar a covid-19 e atender pessoas com suspeita da doença sem deixar de lado os pacientes crônicos que precisam recorrentemente de exames fornecidos pela empresa.


Juliana Paranaguá, Jorge Nunes, Erica Shinohara e Dalvan Gomes, da empresa de medicina diagnóstica Sabin, Empresa do Ano no Guia Exame Diversidade 2020

Apesar das preocupações que, pela primeira vez, passaram a ocupar a mente de todos os funcionários do laboratório, a presidente executiva Lídia Abdalla parou um momento naquele sábado para avisar à chefe da área de biologia molecular, onde os testes de covid-19 estão sendo realizados ininterruptamente, que todas as mães deveriam estar de folga no dia seguinte para aproveitar o Dia das Mães. “Quando a cultura da empresa valoriza as pessoas, ações como essa se tornam naturais. Por outro lado, os funcionários ficam mais comprometidos com a companhia”, afirma Abdalla. Na área de biologia molecular, onde trabalham aproximadamente 25 pessoas, 80% são mulheres.

Fundado em 1984 por duas mulhe­res — as empresárias Janete Vaz e Sandra Soares Costa —, o laboratório Sabin se destaca pela forte presença feminina. Elas são cerca de 75% do quadro de funcionários, percentual que se repete nos cargos de liderança. Mas não é apenas pela presença de mulheres que a empresa sobressai. Em 2018, foi criado um programa de diversidade e inclusão para garantir ações de promoção de grupos sociais, muitas vezes já presentes na companhia. Os negros, por exemplo, são 55% no quadro total e ocupam quase metade dos cargos de liderança.

A empresa, que tem 5.765 funcionários, também cumpre a cota legal de pessoas com deficiência (PCD), segundo a qual organizações com mais de 1.001 funcionários devem ter 5% de PCD. Existem, também, políticas de inclusão para o público ­LGBTI+. “Ter a diversidade e a inclusão já estruturadas na empresa se mostrou ainda mais essencial num momento como este, no qual a cooperação e a inovação para sobreviver estão sendo postas à prova”, diz Abdalla. No Sabin, o time administrativo está trabalhando em home office, um terço dos funcionários tirou férias devido à queda dos procedimentos eletivos e outros foram realocados para atendimentos domiciliares e para a detecção da covid-19.

Segundo a executiva, os funcionários puderam manifestar a preferência por trabalhar ou não. “Havia muito medo, especialmente no começo. Esse sentimento paralisante afeta o desempenho do profissional e, por isso, demos essa opção, que não é considerada na avaliação.” Até o encerramento desta edição da EXAME, 8% das 296 unidades do Sabin permaneciam fechadas.

Com boas práticas e indicadores quantitativos, o laboratório Sabin foi classificado como Empresa do Ano nesta segunda edição do Guia EXAME de Diversidade. O reconhecimento faz parte de uma iniciativa da EXAME em parceria com o Instituto Ethos, que há 22 anos ajuda empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável. Para elaborar a lista das melhores companhias por setor e por categoria, foi criada uma metodologia própria com base na adaptação de uma série de guias temáticos desenvolvidos pelo Ethos e pelos parceiros Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), Coalizão Empresarial para Equidade Racial e de Gênero, Fórum de Empresas e Direitos ­LGBTI+, Movimento Mulher 360 e Rede Empresarial de Inclusão Social (Reis).



A análise envolveu diferentes etapas. Primeiramente, as empresas inscreveram-se no site do guia e responderam a um questionário. Aquelas que atingiram nota de corte maior do que 7 tiveram seus resultados apurados, sendo 70% da nota atribuído às práticas qualitativas e 30% aos dados quantitativos. As companhias mais bem pontuadas foram entrevistadas pela equipe de reportagem da EXAME, que confirmou os dados quantitativos e fez uma análise mais profunda das ações de diversidade. Por fim, foi criada uma lista com as 52 empresas que apresentaram melhor desempenho por setor e por categoria (étnico-racial, mulheres, LGBTI+ e PCD).

“Ao avaliar elementos qualitativos e quantitativos, estamos transmitindo às empresas a mensagem de que a diversidade deve ser um compromisso e ter uma ação concreta”, diz Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos. “E, neste momento de pandemia, a diversidade e a manutenção de ações afirmativas nas empresas se tornam ainda mais necessárias.” O resultado pode ser conferido no quadro da página 67, que destaca a melhor empresa por setor e apresenta as classificadas em ordem alfabética.

Nesta edição, 96 empresas fizeram inscrição, das quais 81% se declararam de grande porte; 15%, médias; e 4%, pequenas e micro. Das participantes, 91% afirmam promover a diversidade e a inclusão como um meio sustentável de obter resultados positivos nos negócios, observando melhorias no clima, na atração e retenção de talentos, na produtividade e na pesquisa e desenvolvimento de produtos ou serviços. É possível observar alguns avanços. No ano passado, o Guia EXAME de Diversidade destacou 36 empresas com notas acima da média — ou seja, igual ou maior do que 7 no desempenho geral.

Neste ano, 52 companhias estão entre os destaques, divididas em 18 setores, o que representa um aumento de 44%. Entre as inscritas observa-se, também, uma evolução na maturidade do desenvolvimento de políticas de diversidade. Um exemplo diz respeito a metas: 52% das empresas incluem metas de promoção da diversidade e de inclusão na avaliação dos executivos, ante 41% na edição anterior. “A boa notícia é que, na maioria dos indicadores avaliados, conseguimos ver uma melhora nos dados gerais comparativos entre um ano e outro. E temos mais empresas no conjunto das que superaram o desempenho mínimo para ser reconhecidas”, diz Ana Lucia Melo, diretora-adjunta do Instituto Ethos.

Cabe observar que o Guia EXAME de Diversidade é um recorte da sociedade e que grande parte das empresas se inscreve para participar da publicação por considerar-se madura no tema a ponto de possivelmente tornar-se um destaque. Empresas de setores com maior participação, como o de serviços e o de bens de consumo, têm também a capacidade de influenciar diretamente seus clientes e fornecedores. Um indicador entre as companhias inscritas é a preocupação em dar visibilidade ao tema de forma positiva, sem reforçar estereótipos. Entre essas empresas o índice varia de 79% a 91%, de acordo com os grupos representados. Além disso, a publicação visa incentivar a adoção de boas práticas em mais companhias, independentemente do porte ou do setor.

Assim como o Sabin demonstrou preocupação com as funcionárias no Dia das Mães, algumas empresas têm mostrado um cuidado específico com as possíveis dificuldades enfrentadas pelos grupos minorizados durante a pandemia. “Em um primeiro momento, as organizações ficaram mais perdidas, mas, rapidamente, passaram a ampliar a comunicação com os funcionários”, diz Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, organização que reúne 89 entidades signatárias. “Houve a percepção de que o home office pode ser desafiador em vários sentidos: as pessoas mais velhas costumam ter mais dificuldade com o uso da tecnologia, e as mulheres ainda vivem a desigualdade de gênero nas tarefas domésticas.”

Segundo Bulgarelli, os grupos de afinidade — que unem funcionários para a discussão dos temas de diversidade — têm funcionado como um bom ponto de contato com a alta gestão para a busca de soluções durante a crise. No entanto, ações desse tipo ainda são tomadas por empresas que já dão atenção ao tema há alguns anos. Uma pesquisa do Institute for Corporate Productivity revela que 27% das empresas americanas suspenderam todas ou a maioria das iniciativas de inclusão por causa da pandemia, mas outro levantamento, realizado na América Latina pela consultoria McKinsey, afirma que as empresas comprometidas com a diversidade têm uma probabilidade 75% maior de ter uma cultura na qual os líderes valorizam o trabalho em equipe, o que pode ajudar a impulsionar os resultados também em momentos de crise, como agora.

Um exemplo vem da rede Carrefour, que se destacou neste ano como a melhor do setor varejista. Com o aumento das vendas de 12% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo perío­do do ano passado, a empresa abriu 5.000 vagas de emprego no Brasil em plena pandemia, mantendo os princípios da equidade de oportunidades no processo de contratação. Na rede varejista, questões da vida pessoal dos funcionários podem ser tema de ações de diversidade. Em 2019, por exemplo, a empresa perdeu uma funcionária em Manaus em decorrência de violência doméstica. “Isso mexeu muito com a gente”, diz Kaleb Machado, consultor de diversidade e inclusão do Carrefour. “Levamos a questão para nossa liderança, tivemos um fórum sobre o tema com os 200 principais executivos e repercutimos isso em ações de comunicação para toda a companhia.”



O desafio de continuar as iniciativas de promoção da diversidade durante a pandemia varia conforme o grupo social. Segundo dados divulgados no ano passado pelo IBGE, as mulheres dedicam, em média, 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos e aos cuidados de pessoas, ante 10,3 horas semanais dedicadas pelos homens. Além disso, 11 milhões de mulheres são mães solo, sem um companheiro para ajudá-las. Com os filhos em casa, sem poder ir à escola, elas ficam sobrecarregadas pelas tarefas domésticas, o que afeta o dia a dia, inclusive no trabalho.

“As empresas que entendem a diversidade como um valor competitivo estão apoiando suas funcionárias na nova rotina, pois entendem que isso está diretamente atrelado à produtividade, ao engajamento e a melhores resultados”, diz Margareth Goldenberg, gestora executiva do Movimento Mulher 360. Segundo ela, as 63 empresas do movimento estão mais ativas desde março, promovendo mais reuniões para discutir os avanços da equidade. O número de participantes nos encontros dobrou. “Essa parcela de companhias pode inspirar as demais a ter um ambiente de trabalho mais justo”, diz Goldenberg.

A situação é ainda mais crítica para a população negra (pretos e pardos, que representam 56% do país). Em novembro de 2019, entre os adultos, 47% eram trabalhadores informais e 66% faziam parte do grupo dos desocupados e subutilizados no mercado de trabalho brasileiro. Especialistas dizem que a pandemia tem escancarado essas diferenças. Em um boletim epidemiológico, a Secretaria de Saúde do município de São Paulo afirmou que pretos têm 62% mais risco de morrer vítimas da covid-19 do que os brancos.

Entre pardos, o risco é 23% maior. Para Daniel Teixeira, diretor de projetos do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, as empresas têm papel fundamental na mudança desse cenário e podem realizar ações como a contratação e a promoção da população negra no mercado de trabalho formal. “As empresas que já têm um trabalho sólido dificilmente retrocederão, mas as demais precisam ficar atentas para não reproduzir desigualdades e ganhar com as diferenças”, diz Teixeira.


Funcionários do Sabin: diversidade é valor na empresa de maioria feminina e negra

Se a pandemia evidencia as distinções sociais, ela também pode ter um efeito protetor — principalmente nas organizações que lidam com o tema há mais tempo. Presidente do Instituto Modo Parités, que trabalha em prol da inclusão no mercado de trabalho, Ivone Santana tem notado um interesse maior pela manutenção da diversidade em relação às PCD. “É uma constatação inesperada”, diz. “Em um ambiente de mais demissões, percebo um esforço para reter essas pes­soas, às vezes até para contratar mais. As organizações estão considerando todo o empenho que foi feito nos últimos anos na estruturação dos programas de diversidade e inclusão.”

Existe, de fato, um legado a proteger. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), nos últimos dez anos houve um crescimento de 59% nas contratações de PCD no país, saltando de 288.000 para 486.000. Santana destaca que, no mesmo período, aumentaram 97% as contratações de pessoas neurodiversas, em número absoluto ainda não tão relevante. Além disso, as empresas que deixam de contratar o número mínimo de pessoas com deficiência pagam uma multa ao governo. No caso de ­LGBTI+, o que deve prevalecer são ações de respeito e tolerância, visto que não existe a obrigatoriedade de um censo interno. A diversidade também está atrelada à experiência de vida de cada profissional e, consequentemente, ao modo de pensar.

Por isso, as empresas mais atentas começam a buscar funcionários em diferentes regiões, países, classes sociais e universidades. Para a especialista em comportamento organizacional Betania Tanure, fundadora da consultoria que leva seu nome, a pandemia vai alterar a maneira de lidar com produtos, os modelos de negócios e os processos geracionais. “As empresas terão de acolher as diferenças de outra forma, e é possível, por exemplo, que as gerações mais novas cheguem à liderança mais rapidamente”, diz a consultora. “O olhar para novas ideias já começa agora, visto que as empresas têm sido menos resistentes a novas ideias simplesmente porque estão sendo obrigadas a pensar diferente.”

Para perceber os bons resultados da diversidade, no entanto, é preciso que as empresas coloquem o tema em sua cultura de modo estruturado. O envolvimento da alta liderança é essencial. No laboratório Sabin, há um comitê de diversidade e inclusão do qual participam desde a presidência até os líderes dos grupos de afinidade. Esses grupos são uma forma de fazer com que os funcionários de diferentes níveis hierárquicos se envolvam e expressem suas ideias para promover o tema em toda a companhia.

Em algumas empresas, há a formação de facilitadores do tema, cuja missão é propagar voluntariamente as ações de diversidade nas diferentes unidades da companhia, como é o caso da petroquímica Braskem. Por lá, os integrantes reúnem-se virtualmente a cada mês e discutem os avanços e as necessidades. Desde 2014, a empresa tem uma pesssoa dedicada a promover a inclusão. A intenção é que, aos poucos, os 6.050 funcionários no Brasil recebam treinamentos sobre diversidade. De agosto de 2018 ao segundo semestre de 2019, 627 líderes foram capacitados no tema. “É preciso um trabalho sólido para manter o tema vivo e conseguir melhorias”, diz Debora Gepp, responsável por diversidade e inclusão na Braskem.

O envolvimento de funcionários nos grupos de afinidade — traço comum em praticamente todas as empresas avaliadas pelo guia —, além de gerar respeito e melhorar o ambiente de trabalho, acaba por se refletir na capacitação dos que abraçam a causa. Líder do grupo de afinidade étnico-racial da operadora Vivo, Valquíria Lima criou um projeto de oficinas para dar protagonismo aos negros que tinham expertise, mas eram coadjuvantes em sua área de atuação. “Mapeamos os profissionais que poderiam compartilhar conhecimento e montamos os workshops, que foram abertos aos outros grupos da empresa”, diz. “O sucesso foi tamanho que algumas dessas pessoas já ministram oficinas fora da Vivo. Como resultado, muita gente do grupo mudou de área ou foi promovida no último ano.”

De outra forma, a companhia de energia e automação Schneider Electric também aproveita as ações de diversidade para promover a formação profissional. Parceiro de instituições que apoiam pessoas trans, o grupo de voluntários da empresa faz ações mensais, mapeando necessidades e assuntos a discutir. “Primeiro, trabalhamos o empoderamento e a autoestima. Depois, discutimos a empregabilidade”, diz Milena Rosa, líder das ações de inclusão da empresa no Brasil. “A ideia é, no fim do ano, realizar um processo seletivo interno ou encaminhar essas pessoas a processos seletivos de fornecedores ou empresas parceiras.”

O respeito à diversidade no ambiente corporativo, quando constante e estruturado, traz bons resultados e já conta com bons exemplos no Brasil. Parte deles é apresentada em detalhe abaixo.

FALTA OPORTUNIDADE

A promoção da equidade racial desafia as empresas a promover avanços em todos os níveis

A equidade racial é um dos maiores desafios para as empresas brasileiras. Das companhias inscritas na segunda edição do Guia EXAME de Diversidade, apenas 17% afirmam que funcionários negros participaram dos programas de desenvolvimento de carreira. No banco Santander, em 2019, foi iniciado um programa de mentoria para auxiliar pessoas autodeclaradas negras a chegar, pelo menos, ao nível gerencial. Paralelamente, o banco percebeu que é preciso aumentar o número de funcionários pretos e pardos. No ano passado, 2.300 foram contratados. Isso foi possível por meio de uma série de iniciativas, como apostar nos programas de entrada.

No programa de jovem aprendiz, por exemplo, dos 603 selecionados, 55% são negros, sendo 44% pretos e 11% pardos. Para estimular a contratação de negros e pessoas com deficiência, a empresa passou a realizar bancas de seleção específicas para esses candidatos. Segundo Vanessa Lobato, vice-presidente de recursos humanos do Santander, 71 dos 119 candidatos foram aprovados. “É uma dinâmica efetiva, com 60% de aproveitamento, e que amplifica a equidade, já que recorrentemente temos vagas abertas”, diz. O Santander também tem criado bancos de currículos ao incentivar os funcionários a indicar candidatos com um perfil determinado.

A intenção ao ampliar a participação de negros no quadro de funcionários é melhorar os negócios graças ao diferencial competitivo proporcionado pela diversidade. Segundo a consultoria McKinsey, empresas com diversidade étnico-racial lucram até 36% mais do que as que não têm esse perfil. Para isso, é preciso envolver os funcionários por meio de indicações, eventos e comunicação. “Posicionar-se na promoção da equidade racial é importante para provocar mudanças e evitar problemas como o racismo. Isso não significa que a empresa estará blindada, mas que está mudando sua cultura ao ser inclusiva”, diz Daniel Teixeira, diretor de projetos do Ceert, ONG que promove a equidade étnico-racial.



Na fabricante brasileira de gases industriais White Martins, desde 2017 parte das vagas oferecidas aos estagiários é exclusiva para negros. A medida permite aumentar a equidade racial no programa de entrada para, posteriormente, promover maior inclusão também nos cargos de liderança. Entre os estagiários da empresa 58% são engenheiros. Desses, metade são mulheres e 37% negros.

“Estamos conseguindo promover a diversidade mesmo quando grande parte dos funcionários se forma em cursos, em geral, de maioria branca e masculina”, diz Cristina Fernandes, diretora de talentos e comunicação da White Martins. Para encontrar os profissionais em potencial, a empresa faz parcerias com organizações que possuem bancos de candidatos negros. “Precisamos ser proativos porque eles, muitas vezes, não se veem ocupando cargos nas grandes empresas”, diz Fernandes.

Segundo uma pesquisa do Instituto Ethos com as 500 maiores empresas do Brasil, o próximo passo é avançar na promoção dos cargos de liderança. As pessoas negras ocupam apenas 6,3% dos cargos de gerência e 4,7% dos cargos executivos. A situação das mulheres negras é ainda mais desfavorável, pois elas ocupam apenas 1,6% dos cargos de gerência. Não é só em ambientes de maioria masculina que a diversidade étnico-racial é um desafio. Na fabricante de cosméticos Avon, parte das medidas para promover o equilíbrio também está na base.

Entre os novos estagiários deste ano, 20% são negros. No processo anterior, eram apenas 5%. Apesar do avanço, a meta é chegar a 50% de brancos e 50% de negros. Há metas também na contratação de gerentes de vendas. Para conseguir bons resultados, as empresas, muitas vezes, precisam mudar os critérios de seleção e diminuir as barreiras, como a exigência de fluência no segundo idioma. “Mudar os critérios de seleção é uma forma de escolher alguém competente, que vai gerar valor para a empresa, mas não teve ainda uma oportunidade”, diz Teixeira, do Ceert.



LENTA EVOLUÇÃO

Diversa por si só, a comunidade LGBTI+ tem disparidades no acesso ao mercado de trabalho. A resolução de entraves só depende de boa vontade política

Com o avanço das ações de diversidade, tanto nas organizações quanto na sociedade, já se pode, com cautela, comemorar uma evolução no respeito aos LGBTI+ no ambiente corporativo. A sigla para a denominação de lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexuais e mais, no entanto, abriga em si uma diversidade — e os avanços de cada grupo não são uniformes. Entre os especialistas ouvidos pela EXAME, há consenso sobre as dificuldades no acesso dos Ts (transexuais, travestis e transgêneros) ao mercado de trabalho.

Do total de empresas participantes desta edição do guia, apenas 23% afirmam ter um programa estruturado para a contratação de LGBTI+, o menor índice entre os quatro grupos analisados. “Há questões burocráticas, como as relacionadas ao nome social no caso das pessoas trans ou à não obrigatoriedade de declarar a orientação sexual, o que impacta os indicadores. Mas, em geral, as organizações são resistentes a esse público porque não são pensadas para lidar com a complexidade da vida”, afirma Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. “Os entraves ficam menores quanto maior a vontade política da empresa.”

Na consultoria PwC, há uma iniciativa específica para atração dos Ts, cuja média de expectativa de vida é de 35 anos. Por meio de parcerias com organizações e coletivos como TransEmpregos, Rede de Emprego Trans e Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros (Astra), a empresa criou uma rede para divulgar vagas para esse público. “Participamos de feiras de empregabilidade para pessoas trans e acompanhamos de perto a evolução dos funcionários na companhia por meio da área de diversidade e inclusão”, diz Marcelo Cioffi, sócio da PwC Brasil.

“Sabemos que algumas particularidades podem ocorrer, como questões comportamentais derivadas de tratamentos hormonais, necessitando de um acompanhamento mais próximo para apoiar melhor os envolvidos.” Mensalmente, funcionários que integram o grupo de orientação sexual e identidade de gênero se reúnem para pensar em ações que promovam o respeito e a representatividade no ambiente de trabalho, geralmente por meio de palestras e eventos. Segundo Cioffi, o movimento é importante, já que existem funcionários que se sentem confortáveis para se declarar LGBTI+ somente dentro da companhia.

Alcançar esse nível de maturidade exige continuidade nas ações e esforço de governança. Pelo menos, são essas as características que tornaram a empresa de tecnologia SAP um exemplo de boas práticas na área. Destaque na primeira edição do Guia EXAME de Diversidade, a multinacional repete o feito neste ano. Por lá, a área de diversidade e inclusão tem atuação global e existe formalmente há mais de dez anos, com o programa Pride at SAP, voltado para a comunidade LGBTI+.



“Como trabalhamos com o conceito há muito tempo, todos os líderes e gestores apoiam os grupos de trabalho relacionados ao tema”, diz Paula Jacomo, vice-presidente de recursos humanos da SAP para a América Latina. Há funcionários com dedicação exclusiva à diversidade no escritório da empresa na Argentina, mas profissionais ligados a outras funções no mundo inteiro podem se envolver na causa voluntariamente. “A maior parte dos líderes dos grupos de diversidade não é composta de gestores formais de pessoas em outras áreas. Por meio da liderança nos grupos de afinidade, esses funcionários desenvolvem habilidades que são úteis também para sua carreira.”

O desafio de algumas empresas pode ser ainda maior — principalmente quando o contato dos funcionários com o público é mais próximo. Essa é uma preocupação constante da rede varejista Carrefour, que tem obtido bons resultados nas ações relacionadas à comunidade LGBTI+ e contratou cinco pessoas trans desde o início de março, quando a pandemia foi intensificada no Brasil, como parte de um movimento que acontece há pelo menos cinco anos.

“Por mais que tenhamos boas iniciativas, o esforço é diário. Temos grupos de sensibilização nas lojas para ajudar os funcionários a lidar com as questões de diferenças”, diz Kaleb Machado, consultor de diversidade e inclusão do Carrefour. “É um trabalho de formiguinha, mas, na medida do possível, levamos um pouco de consciência ao público.” Quem sabe assim, passo a passo, as organizações possam ajudar a reduzir as desigualdades sociais.



O LUGAR DELAS

Cada vez mais as mulheres conquistam espaço dentro e fora dos escritórios. E quem ganha com isso são as empresas e toda a sociedade

Uma força de trabalho majoritariamente feminina parece algo recente, mas não na empresa de cosméticos Avon. Em 1896, dez anos depois de ser fundada em Nova York pelo empreendedor David McConnell, a companhia já contava com 25.000 revendedoras de produtos voltados para um público também basicamente feminino. Com esse histórico de mais de um século, entende-se por que no Brasil de hoje as mulheres são a maioria nas posições de liderança e também entre os 3.875 funcionários da companhia.

Além de contratá-las em grande número, a Avon tem o desafio de promover a equidade de gênero, assim como a defesa dos direitos das mulheres da porta para fora. Ao todo, são 1,3 milhão de consultoras no país, que obtêm renda com o modelo de venda porta a porta. Somando-se ao contingente de consultoras da brasileira Natura, que adquiriu o controle da Avon em janeiro deste ano, o total sobe para 2,4 milhões.

Ao participar da vida de tantas mulheres, a Avon viu a oportunidade de influenciar as consumidoras e também outras mulheres que não necessariamente se relacionam com a marca. Em agosto do ano passado, a empresa lançou no Brasil a Coalizão Empresarial pelo Fim das Violências contra Mulheres e Meninas, em parceria com a ONU Mulheres e a Fundação Dom Cabral.

O objetivo é estimular o engajamento de líderes do setor privado para assegurar o compromisso pelo fim da violência — a cada 7 horas, uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil. Atualmente, são 108 empresas apoiadoras, que se comprometem a combater o assédio sexual no ambiente de trabalho e dar suporte às mulheres em situação de violência doméstica. Mais recentemente, por causa da pandemia do coronavírus, a empresa lançou o movimento #IsoladasSimSozinhasNão.



No dia 31 de março, o grupo Natura anunciou que o Instituto Avon destinará globalmente 1 milhão de dólares para organizações que atuam na linha de frente para apoio a mulheres e crianças vulneráveis.  “Mais do que gerar empregos, entendemos que a Avon tem força para promover mudanças positivas em toda a sociedade”, diz Danielle Bibas, vice-presidente global de marcas, comunicação e conteúdo.

A promoção das mulheres no mercado de trabalho gera diferenciais competitivos. Um estudo da consultoria McKinsey de 2019 revelou que as empresas que promovem equidade de gênero em cargos de liderança tendem a ter resultado financeiro 25% maior do que as demais companhias. A boa notícia é que há avanços nessa área. Hoje, 44% das empresas têm três ou mais mulheres em cargos executivos, ante 29% das empresas em 2015.

O desafio maior, porém, está na inclusão de mulheres negras. Em média, um em cada cinco executivos é mulher, mas apenas um em cada 25 executivos é mulher negra. “O avanço precisa ser intencional e em todos os níveis. Promover a diversidade de gênero e de raça gera mais inovação e todos são beneficiados, ainda mais em um momento como este”, diz Margareth Goldenberg, gestora executiva da organização Movimento Mulher 360.

A disparidade de gêneros, especialmente nos cargos de liderança, é uma preocupação também da consultoria Accenture. Nos últimos dois anos, alguns treinamentos específicos sobre o tema ganharam força na companhia. Um deles tem o objetivo de ensinar as mulheres a valorizar suas conquistas profissionais e a negociar com seus pares e líderes. Em 2018, 8% das participantes desse treinamento foram promovidas e, no ano passado, esse índice subiu para 13%. Até 2025, a Accenture quer que as mulheres representem 50% de sua força de trabalho. “A meta é envolver toda a empresa na conversa. A partir daí estamos trabalhando, por exemplo, para desmistificar estereótipos de masculinidade”, diz Beatriz Sairafi, líder de recursos humanos para a Accenture no Brasil.

No banco Santander, traçar metas também é importante para avançar. Embora as mulheres já sejam a maioria no quadro de funcionários, há ainda um desequilíbrio nos cargos de liderança. Trata-se de um desafio comum, mesmo entre empresas que buscam valorizar a diversidade. Segundo a McKinsey, o fenômeno, chamado de “degrau quebrado”, faz com que, no mundo, os homens ocupem 62% dos cargos de nível gerencial; e as mulheres, 38%. Para o Santander, a saída tem sido fortalecer a mentoria para os cargos de liderança e estabelecer metas por áreas, e não mais uma meta geral para o banco. “Esse modelo faz com que os gestores entendam que o desafio deve ser superado por cada um deles”, diz Vanessa Lobato, vice-presidente de recursos humanos no Santander.



FOCO NO DESENVOLVIMENTO

A presença de pessoas com deficiência nas organizações é exigida por lei, mas o objetivo não deve ser contratar apenas para cumprir cotas

Embora o Brasil esteja lidando com os efeitos da pandemia da covid-19 há mais de três meses, ainda é cedo para fazer uma análise completa de como o coronavírus vai impactar a diversidade nas empresas. Para grupos específicos, no entanto, algumas mudanças no mercado de trabalho, como a crescente adoção de home office, podem ser favoráveis. No caso das pessoas com deficiência (PCD), trabalhar de casa evita o enfrentamento das barreiras impostas pelo ambiente.

“Só o fato de não precisar de transporte já quebra os argumentos para não contratar essas pessoas”, diz Ivone Santana, presidente do Instituto Modo Parités, que atua na inclusão social no mercado de trabalho, e secretária executiva da Rede Empresarial de Inclusão Social. “Nem todos, no entanto, têm um espaço adequado para trabalhar em casa. Esse é um novo olhar que as empresas vão precisar desenvolver para apoiar os funcionários.” A ideia reflete uma preocupação que deve ser constante em relação a PCD no mercado de trabalho: não basta recrutar para cumprir a cota exigida por lei; é preciso olhar para a retenção desses profissionais e, principalmente, ter foco no desenvolvimento da carreira deles.

A gestora de benefícios Sodexo segue esse pensamento. Apesar de ter quase 2.000 PCD contratadas, a empresa vê a oportunidade de ampliar a participação dessas pessoas em seus times e, para isso, estipulou metas a atingir. A iniciativa tem o apoio de ONGs e consultorias especializadas na contratação de pessoas com deficiência. “Mais do que um número que pode ser muito bonito, é importante incluir, de fato, as pessoas”, diz Lilian Rauld, gerente de diversidade e inclusão da Sodexo. Ela afirma que a organização prioriza ações tanto para preparar os funcionários com deficiência quanto para conscientizar os trabalhadores que devem lidar com PCD. A empresa oferece, por exemplo, treinamentos para gerentes e cursos de libras para maior integração de pessoas com deficiência auditiva.

Uma noção que deve guiar as ações das empresas em relação às pessoas com deficiência é que os obstáculos não surgem da deficiência, mas de um ambiente de trabalho não adaptado. Nesse sentido, a fabricante de cosméticos Natura figura como um modelo. As ações começaram tímidas, com a presença de soluções em braile nas embalagens de produtos. Hoje, a empresa tem quatro fábricas e um centro de distribuição construídos com tecnologias assistivas, facilitando a adaptação de PCD.

“O trabalho cuidadoso com essas pessoas foi uma escolha da Natura mesmo antes de termos a legislação que estabeleceu as cotas”, diz Milena Buosi, gerente de diversidade e inclusão da empresa. “As tecnologias avançam, os espaços também, e percebemos como podemos promover mudanças acessíveis.” Por lá, a tendência é que as iniciativas relacionadas à diversidade sejam ainda mais potencializadas, já que o tema passou a ser considerado, em 2019, um dos elementos do planejamento estratégico da organização. “Queremos gerar um impacto positivo nos programas e nas iniciativas, tendo a diversidade como fator de inovação e competitividade”, afirma Buosi.



O impacto que uma única empresa pode exercer na comunidade de pessoas com deficiência não precisa ficar restrito, necessariamente, a seu quadro de funcionários. Em suas ações de diversidade, a companhia de energia e automação Schneider Electric incluiu seus fornecedores, dando treinamentos e reforçando a importância de manter profissionais terceirizados diversos. “Os funcionários do nosso café, por exemplo, são terceirizados. Hoje, umas das trabalhadoras tem síndrome de Down”, diz Milena Rosa, líder voluntária das ações de inclusão da empresa no Brasil.

“Tivemos um treinamento para aprender a melhor forma de lidar com ela. O ambiente, que era barulhento, passou a ser silencioso, e o clima mudou: passamos a ser bem mais cordiais”, afirma. Ela explica que as mudanças eram necessárias para o bem-estar da funcionária, mas acabaram trazendo benefícios a todos. Segundo Rosa, a empresa está madura nas políticas voltadas para PCD, o que engloba uma preocupação com os avanços na carreira. Atingir esse patamar depende da conscientização dos líderes. “Como convencer a liderança de que diversidade é importante?”, indaga Rosa. “Basta mostrar que isso é bom para os negócios.”